Quando penso sobre os 130 anos da Avenida Paulista, a primeira coisa que me vem à mente é a palavra “camaleão”.
Tendo em vista que o termo “diversidade” já se tornou demasiado clichê para adjetivá-la – embora seja o único que, de fato, consiga resumir com precisão o espírito da mais importante via pública de sampa – creio que o célebre animal, conhecido por se adaptar visualmente aos mais variados ambientes, possa ser um bom substituto semântico. No caso da Paulista, o tempo e as mudanças de eixos econômicos são os fatores que sempre determinam suas “camuflagens”
Passear por toda a sua extensão, é como se debruçar sobre uma colcha de retalhos de família cerzida por várias gerações, cujas cores e formas singulares unem o antigo e o novo. Assim como ocorreu em toda a cidade de São Paulo ao longo do século XX, o logradouro mais famoso da capital foi posto ao chão e reconstruído diversas vezes. Sobrevivem, todavia, resquícios de todas as épocas que marcaram a história de megalópole – dos antigos casarões de famílias quatrocentonas aos modernos arranha-céus de vidro. Vamos aos exemplos:
Passando pelo Palacete Franco de Mello (nº 1919), temos a exata dimensão do poder e do glamour da Belle Époque no Brasil, tempo em que os grandes barões do café e ricos industriais construíam suas residências no chamado espigão. Infelizmente, poucos exemplares desse período permanecem em pé, tendo em vista que, a partir da década de 1950, as antigas mansões passaram a dar lugar aos enormes prédios comerciais. Caminhando em direção ao Paraíso, nos deparamos com o emblemático edifício do MASP (nº 1578) , concebido por Lina Bo Bardi e que retrata bem o espírito modernista dos anos 50 e 60: Linhas retas e muito concreto (é preciso dizer que a construção do prédio que abriga o Museu apagou da memória de São Paulo o antigo Belvedere Trianon, vista panorâmica que fora projetada por Ramos de Azevedo, o mesmo arquiteto do Teatro Municipal da cidade). Um pouco mais adiante, podemos observar o vertical Shopping Cidade São Paulo (nº 1230), erguido sobre as lembranças da imponente Mansão dos Matarazzo, uma das famílias mais emblemáticas do início do século passado. Já no comecinho da Avenida, quase de frente uma para a outra, temos a Casa das Rosas (nº 37) - icônica residência de estilo clássico francês construída em 1935 - e a Japan House (n° 52) - uma moderníssima casa de cultura oriental inaugurada em 2017 -, desenhando o factual contraste entre o vintage e o contemporâneo que marca a velha Paulista.
Eu poderia falar de tantos outros espaços e edificações memoráveis como o Conjunto Nacional, o Parque Trianon e o famoso prédio da FIESP. Poderia também falar dos eventos que tornaram esse cartão postal conhecido no mundo inteiro como a tradicional corrida de São Silvestre e a Parada LGBTQIA+. E as feiras, eventos e artistas de rua que, há tantas décadas, proporcionam aos paulistanos momentos únicos de lazer? Decidi, contudo, falar mais sobre as construções que acenderam as 130 velinhas de seu bolo e - parafraseando o mestre Caetano - da força da grana que ergue e destrói coisas belas. Como não amar os prédios modernosos e, ao mesmo tempo, lamentar a ausência dos velhos palacetes? Porém, se enquanto amante da história eu me ressinto de não poder olhar com meus próprios olhos toda a majestade da Paulista de outrora, como bom paulistano que sou, eu me enxergo no ecletismo e na modernidade da avenida do século XXI. (Orra, meu! Moderno, é ser paulistano desde 1922! Sabia não?)
Velha? Nova? diversa? careta? Tanto faz. Eu digo: CAMALEÃO!
Por Pedro Novas
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